quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Talvez

Talvez não ouçamos a mesma música,

Talvez nem sejamos assim tão parecidos.

O tal encontro de dois seres que já se conhecem,

De outros tempos, de outras passagens.

Talvez não seremos nada,

Mas já o fomos.

Encontrei-te e deixei-te ir,

Tu encontraste-me e deixaste

Que eu não te prendesse a mim.

Talvez noutra passagem,

Os nossos olhares encontrem-se novamente.

Talvez, nada mais do que isso,

Talvez…

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Pausa

Por vários motivos, farei uma pausa, aqui no mundo dos blogues. Tenho andado a ler muitos, e a carga negativa e depressiva é tão alta em alguns, que estão-me a sugar as energias. (Apesar de serem textos maravilhosos)
Farei uma pausa, breve ou longa, não sei. Continuarei a escrever, porque isso é algo que não controlo, não garanto é que os venha a publicar, talvez mais tarde.
Desculpem-me por isso, mas de vez em quando precisamos nos recolher e isolar, para percebermos que caminhos andamos a tomar.
Aproveito para desejar um Feliz Natal às pessoas que por aqui passam.
Que 2012 seja um ano de transição, de mudança, de riqueza interior (algo que precisamos imenso).
Com carinho,
Alexandra

© Alexandra Carvalho

domingo, 11 de dezembro de 2011

Pensamentos soltos…

Por mais que digamos o contrário, a verdade é que passamos a vida a criar expectativas, em relação às pessoas, aos sentimentos, às situações, a tudo.
Hoje, sinto-me particularmente, nostálgica, um tanto ou quanto introvertida. Apetece-me reflectir sobre tudo, ou não fosse eu uma pessoa que pensa demais.
Pela nossa vida passam pessoas, pessoas especiais, pessoas sem importância, seres humanos que naquele momento tinham de existir na nossa vida mas que depois, precisam ir embora. Penso neles, nos seus papéis, penso nas pessoas que entraram à pouco na rotina dos meus dias e nos papéis que estão a ter, e nem sempre percebo o porquê da sua passagem.
Apercebi-me que criei altas expectativas em relação a várias pessoas que fizeram parte do meu mundo por um momento. De que me serviu? As expectativas não são reais, aquela pessoa jamais se tornará naquela que eu desejo.
Questiono-me sobre a sinceridade, a capacidade doentia de alguns seres humanos, em dizer aquilo que não sentem, a capacidade egoísta de transformar a vida dos outros num espectáculo de malabarismo.
Ainda assim, continuo a acreditar no ser humano, continuo a acreditar que por aí fora, em cada cantinho do mundo, existem pessoas como eu, e que nalgum momento, encontrar-me-ei com uma delas.

© Alexandra Carvalho

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Quero apagar-me de mim

E do mundo,

Mas as linhas da minha vida

São tão negras que não se deixam apagar.

Passo a borracha, como uma louca,

E não consigo apagar nada.

Tento desprender-me deste eu

Que me consome, que me corrói,

Por inteiro, por dentro…

Não sou mais do que uma peça

De um puzzle que não sei completar.

Se um dia encontro-me serena,

No outro, volta o ser revoltado

Que existe em mim.

Não tenho forças;

Sinto-me cansada;

O coração dói, as lágrimas caem…

Sinto-me perdida, confusa,

Vazia…

E é sempre o vazio,

O nada que me invade;

O nada que me mata a cada dia.

 

Poema de outros tempos.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Assim, apenas assim

Voltaste a te perder

Nos confins dos teus sonhos.

A terra chama por ti

E não consegues ouvir o seu chamado.

Procuras nas profundezas da tua alma

A razão de seres assim,

Mas não a encontras.

Não vale a pena

Explicar o inexplicável…

És assim, apenas assim…

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Apenas à tua espera

O meu coração disparou,

Feito bala perdida;

Invadiste-me a alma,

E com o teu sorriso delicado

Fizeste-me encantar…

Não espero por mais nada,

Apenas por ti…

Mudança

O tempo passou,

A tua pele macia tornou-se áspera

Ao meu toque, as minhas mãos já não te querem tocar.

Não voltemos atrás, não precisas,

Eu não preciso…

Caminhamos juntos num tempo,

Num momento em que fomos apenas um,

Não somos mais.

Não me perdes, já não me tinhas…

O tempo passou,

Sabíamos que ia passar…

Não fales, as tuas palavras, só tu as ouves…

Silencia a tua voz e procura-te, onde te deixaste ficar.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Procura

Procuras nas tuas memórias

Razões infundadas para explicar a tua existência…

Redefines os teus conceitos

Na esperança de te encontrares

Perdida no meio deles…

E não encontras nada,

Continuas inexistente na tua existência confusa…

São horas contínuas de procura e desencontro,

Pára, deixa de procurar, e escuta o silêncio.

Não será a tua mente a dar-te as respostas

Mas o teu coração.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Final)

- Sim, não foi assim tão difícil. Não para mim. Foram duas pessoas, cúmplices, uma deu a ideia, a outra executou.
Duas pessoas, meu Deus, a Daniela e o Ronaldo? Que ingénua que fui, como é que não pensei nisso, mas ele parecia tão legitimamente boa pessoa.
- O meu colega e a filha, só podia.
- Eu lamento muito Anabela, porque eu percebi que estavas a simpatizar com ele, que te estavas a envolver até. Mas fazia tudo parte do plano. Mas não foi a filha.
Hummm, não tinha sido a Daniela? Mas então aquela visita tinha sido um alerta, não uma ameaça, ela também sabia, agora consigo perceber.
- O plano foi todo elaborado pelo Ronaldo e a mãe da Daniela, a Dona Alzira. Há algum tempo atrás, o Tiago encontrou-se com a minha mãe, por acaso, e daquele encontro a verdade veio à tona, ele ficou a saber que tinha um filho. Uma pessoa da sua condição social, podia ter deixado ficar tudo como estava, não havia necessidade de remexer em feridas antigas, mas pelos vistos, ele era boa pessoa. Quis assumir a minha paternidade, e isso incluía, fazer-me como herdeiro. É óbvio que a ex-mulher dele, uma pessoa do campo, que cresceu com pouco, que se tornou uma dama da alta sociedade à custa do trabalho e da fama do marido, não estava disposta a partilhar a riqueza com um filho bastardo. A Daniela, é uma rapariga fútil, jamais consideraria fazer parte de um plano que matasse o pai, que ela tanto idolatrava. Mas o Ronaldo, era uma boa opção. Um homem de poucas emoções, desligado do mundo das afectividades, e que ainda por cima é médico. E por sinal, um médico ambicioso, porque ele não ama a Daniela, envolveu-se com ela, pelo dinheiro do pai. Os dois confessaram, porque eu confrontei-os num encontro um bocado suspeito, eles confessaram, mas a verdade é que não tenho provas. O caso vai cair no esquecimento.
- A Daniela sabe? Porque ela veio cá e falou-me cá umas coisas, como se estivesse a alertar-me, para deixar tudo como está.
- Sim, ela descobriu. Mas a Daniela é uma pessoa diferente, ela não consegue ser má. E se já perdeu o pai, não quer perder a mãe, apesar de tudo. É daquelas pessoas que prefere estar acompanhada de pessoas que lhe fizeram mal, do que ficar só. Mas é boa pessoa, acho que essa é a única coisa boa de ter descoberto que tenho um pai diferente. Ganhei uma irmã.
Naquele momento, senti um alívio. A verdade tinha sido desvendada, a minha análise estava certa, e apenas saber disso, já me reconfortava. Lamento, pela minha ingenuidade, lamento por ter desconfiado do Pedro, e por momentos, ter-me deixado envolver por um homem frio e calculista como o Ronaldo.
Nem todos os crimes são desvendados, nem todas as pessoas criminosas são descobertas, e este homicídio jamais seria desvendado, apesar disso, não me importava mais, o trabalho estava a correr bem, as pessoas tinham esquecido, a minha vida tinha voltado ao que era.
No fundo, só importava uma coisa, o Pedro e a nossa amizade sem limites, e isso, bastava até ao fim da nossa vida.
Este era o sabor da vida.

© Alexandra Carvalho

O SABOR DA MORTE (Parte 12)

- Não sei bem por onde começar. Tu conheces-me há muitos anos, cresceste comigo, de certa forma conheces toda a minha história, excepto uma parte, porque não sou eu o único protagonista. Não me achei no direito de dizer, apesar de seres a minha melhor amiga, primeiro, porque isto foi uma descoberta recente, que me magoou muito, segundo, porque a minha mãe também é uma das envolvidas.
- A tua mãe? Agora eu não estou perceber nada, o que ela tem a ver com o Tiago Fonseca.
- O Tiago Fonseca é meu pai.
Fiquei em choque, completamente em estado de choque. Pai? Mas como? Parece-me tão surreal e descabido ao mesmo tempo.
- Espera, acho que estou com dificuldade em processar essa informação. Como é que ele é teu pai? Como é que nunca soube disso? Como é que foste capaz de lidar com toda esta situação da morte dele, sem me contares nada? Não percebo.
Para além do choque, eu estava decepcionada, ele não podia ter feito isto, me esconder uma coisa destas. Principalmente quando ele sabia que eu estava envolvida no caso da morte do pai.
- Anabela, pára e pensa na minha posição, eu soube disto há pouco tempo, além do mais ainda não sabes tudo, não fales ainda. Ouve-me.
- Pronto, tens razão. Fala.
- A minha mãe antes de tirar o curso superior, sabes que ela foi estudar tarde, os meus avós não tinham grandes possibilidades financeiras, e ela acabou por precisar trabalhar para angariar dinheiro para poder estudar. Na altura, trabalhou como administrativa numa loja de tintas lá na Ribeira Brava. Nessa época conheceu o Tiago Fonseca, já era licenciado em jornalismo, acho que tinha começado a trabalhar há pouco tempo no Continente, apareceu numas férias lá na loja. Acabaram por se envolver, mas a minha mãe já namorava com o meu pai, ou melhor, com o Rui. Como deves imaginar, naquela altura as coisas eram complicadas para uma mãe solteira, ainda hoje é, imagina então naquela época. Ela arranjou forma de acelerar o casamento com o Rui, ele era apaixonado, completamente apaixonado, não foi difícil convencê-lo a casar mais cedo. Claro, o motivo principal era a gravidez, era eu, que vinha a caminho. Um filho de uma aventura com um jornalista de futuro promissor.
Não foi, afinal, tão difícil perceber o porquê dele me ter omitido aquela descoberta. Veio a desestabilizar a imagem perfeita que Pedro tinha da mãe. Não era de todo fácil admitir isso.
- Pedro, mas eu estava aqui, podias ter falado, eu ter-te-ia apoiado.
- Talvez, mas foi na mesma época em que me propus ajudar-te na investigação que eu soube disto. Como é que ia dizer que aquele homem era o meu pai. Por isso, deixei passar um bocado, sozinho fiz algumas investigações, afinal, querendo ou não, aquele homem era o meu verdadeiro pai.
- Tu já descobriste, não já? Tu sabes quem foi. Consigo ver isso no teu olhar.

© Alexandra Carvalho











O SABOR DA MORTE (Parte 11)

O dia do confronto chegou, cheguei a casa e o Pedro estava sentado nas escadas que vão dar à minha porta, alguém entrou e ele aproveitou para subir, era frequente acontecer isto. Olhei para ele, estava com aquele sorriso maroto, o sorriso de sempre, o que me habituei a ver no seu rosto. Primeiro, parei e fiquei a olhar, acabei por sorrir, e naquele momento não foram precisas palavras para perceber que a conversa que se seguiria seria fulcral.
- Chegou à hora de te contar coisas da minha vida que não sabes, acontecimentos que me fizeram sofrer e que nunca achei que fosse correcto te contar, dar-te para cima das costas mais peso, o peso da minha dor. – Ele estava a sofrer, via isso tão claramente.
- Não sei do que se trata, mas tenho a certeza que é algo sobre a morte do jornalista, ou apenas sobre ele. Ali fora, quando olhei para ti, eu vi o meu amigo, a pessoa em quem mais confio, totalmente transparente, com uma necessidade visível nos olhos de se libertar. Por isso, fala, fala sobre tudo, desde o início. Porque de ti só espero a verdade.
Eu sentia a minha voz trémula, como se sentisse, mesmo sem conhecer, a dor do Pedro, como se aquela dor estivesse a fervilhar nas minhas entranhas. Mas tentei manter-me firme, por ele, para que conseguisse despejar cá para fora toda a dor que o atormentava, todas as verdades que deliberadamente deixara longe de mim.
Olhou pela janela da sala, olhou em redor, parecia tentar encontrar as palavras certas para começar a falar, ou talvez, estivesse a ganhar energia para falar sobre o que me tinha escondido. Finalmente, olhou para mim e soube que estava preparado, as mentiras iriam dissipar-se, o pano ia cair, será que o seu segredo, era o motivo da minha queda profissional, será que de alguma forma, o Pedro estava envolvido? Todas as respostas seriam respondidas, e eu estava com medo do que ia ficar a saber.

© Alexandra Carvalho



sábado, 3 de dezembro de 2011

Palácio da Solidão

Estava ali, no meu palácio da solidão, apenas eu. Sonhava, imaginava que estava rodeada de gente, que me sorriam, que no fundo gostavam de mim. De repente tudo desaparecia, eram ilusões, ilusões que eu precisava à força que se tornassem reais. Por vezes perguntava a mim própria porquê que eu sonhava com coisas que eu sabia impossíveis. No fundo já sabia a resposta, era a solidão, aquela solidão que me matava por dentro. De que servia a riqueza? Sim, servia ou tinha servido para trazer à minha vida a infelicidade, a solidão e até o desespero. Matei-me, já não vivo, estou presa entre as paredes frias da minha própria casa.
Há muito tempo fui feliz, quando foi isso? Já não me recordo da data, já faz tanto tempo, uma eternidade. Mas sei que fui feliz, tive amigos, família e alguém que me amava, tudo isso desapareceu. Tudo perdi e tudo ganhei, perdi a amizade, o amor e até a minha dignidade, ganhei a riqueza, a infelicidade e a morte.
O outro mundo chama-me todos os dias, resisto à tentação apesar de todo aquele sofrimento que suporto, mas talvez ainda haja uma oportunidade, será que a mereço? Não, sei que não a mereço e também não deve ser tão doloroso morrer se já vivo na morte?!
Vendi tudo aquilo que tinha e dei a instituições de caridade tudo o que obtive das vendas. Estou pobre, pensei, não faz mal, fiz algo de bom pelo menos uma vez na vida. Será que me reconhecerão por isso? Não, sei que não, provavelmente irão pensar “agora que se sente só faz boas acções para impressionar os outros, é bem hipócrita ela”. Não os censuro por pensarem isso, eu fui hipócrita, fui arrogante , tudo, mas agora não, já percebi que a riqueza não compra a felicidade, eu com toda aquela riqueza apenas comprei a minha morte.
Finalmente morri, não no meu palácio da solidão porque também esse vendi, mas debaixo do alpendre da primeira casa que encontrei.
Morri na solidão.


 
© 1998 Alexandra Carvalho 








Alexandra

Amor

Lei contagiosa

Eterna e formosa!

X, é como é a minha vida, cruzada!

Ando aqui pensando,

Nada faço!

Digo a mim própria coisas,

Rio-me com o que penso!

Amor, mas afinal o que é?

 

Poema de 1997

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Mar

 

A tua beleza
Entra em mim,
Fico encantada com ela,
Mar lindo e sem fim.
Mar, só tu sabes encantar,
Mar, tu és a razão da minha vida,
Mas não sejas traiçoeiro,
Pelo menos para mim, ó Mar.
Ondas atiram-se contra as rochas,
Ondas saltam no ar,
Ondas levam os barcos,
Tragam para areia as vossas conchas.
Mar, porque às vezes és cruel?
Mar, porque levas pessoas e não trazes?
Não sejas assim, sê doce como o mel
Meu lindo mar...!
 
P.S.: Este poema foi escrito em 1997, um mero trabalho de casa da disciplina de português que acabou por mostrar o meu lado poético, e a partir deste poema nunca mais deixei de escrever. Trata-se de um poema muito especial para mim. Espero que gostem.



















terça-feira, 29 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 10)


Fiquei tão irritada com aquela invasão à minha casa àquela hora tão imprópria, que no outro dia, a primeira coisa que fiz quando cheguei ao Hospital foi procurar pelo Ronaldo e contar-lhe sobre a visitinha inesperada da sua namorada rica.
- O quê? A Daniela foi à tua casa? Depois da meia-noite? Eu tinha acabado de estar na casa dela, estou confuso.
A sua expressão não o denunciara, ele parecia mesmo surpreendido com isso, no entanto, eu chegara a um ponto em que estava desconfiada de toda a gente. O Pedro mentira-me no outro dia, a namorada do Ronaldo tinha feito um aviso totalmente inesperado, a trama estava a adensar-se.
- Sim, ela esteve lá e sinceramente acho que me fez uma ameaça, disse que sabe que tenho falado contigo, mas que isso não é o principal mas sim as conversas que temos tido, que era para eu ter cuidado, que não sabia dos problemas que poderia vir a ter.
- Ela não mencionou nenhuma vez que te conhecia, muito menos que iria ter contigo. De qualquer forma, andamos um pouco distantes ultimamente, a minha profissão incomoda-lhe no que toca a tempo, ou melhor, à falta de tempo.
Ficamos os dois a olhar um para o outro, aquela química estava cada vez mais forte, mais intensa, muito mais visível para ambos. Estava, no entanto, totalmente fora de questão qualquer envolvimento e ainda mais agora, em que a Daniela estava a mostrar a sua posição.

© Alexandra Carvalho


domingo, 27 de novembro de 2011

Tu


Dei comigo a pensar em ti,
Tal adolescente ansiosa,
Desejei as tuas palavras e a tua atenção.
Dei comigo a sorrir sozinha,
A pensar no impensável,
A desejar o indesejável…
Vou deixar-me ficar assim,
O sorriso voltou,
Permitir-me-ei ficar com ele.


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 9)


Daniela era conhecida de facto, mas nunca tive interesse em ver revistas cor-de-rosa, nem entrevistas superficiais, então, a cara dela passou-me sempre ao lado. Sabia que era muito fútil, estudou Direito, por obrigação, não tinha o menor interesse em algum dia vir a exercer, movimentava-se muito bem entre todos os círculos sociais, frequentava todo o tipo de eventos, bem, pelo menos aqueles que ela considerava dignos da sua presença.
Era uma mulher muito bonita, esbelta, elegante, tinha uns longos cabelos negros, olhos igualmente negros que contrastavam com a sua cor de pele branca, usava franja, desde pequena mantinha esse detalhe, o que lhe dava um ar diferente, de menina adulta.
A verdade é que quando ela se apresentou, o chão desabou, fiquei atónita, completamente sem reacção, mas o que é que esta mulher veio fazer a uma hora tão tardia ao meu apartamento, aliás, como é que ela sabe onde eu vivo?
- Muito bem, é a filha do jornalista. Mas o que eu não estou a entender é a sua visita. Um bocado fora de contexto, direi.
- Talvez numa primeira análise, mas depois de eu falar o que tenho para falar consigo, as dúvidas certamente se dissiparão.
- Se é para falar novamente da autópsia, digo desde já que não estou interessada em fazê-lo, já passaram meses, eu voltei à minha vida normal, finalmente, não estou interessada em fazer ressurgir problemas, como deve entender não tenho nada para falar.
- Você não, mas eu tenho. Antes de mais, já sei que anda muito próxima do meu namorado, o seu colega Ronaldo, ele não me disse nada, mas eu tenho facilidade em saber de coisas, principalmente quando me interessam. Existem várias vantagens de ser filha de gente importante, temos acesso a tudo, literalmente tudo, então nesta ilha, enfim, você sabe. Mas isso é o de menos, você falar com ele não me atinge muito, mas o teor das conversas já me preocupa.
- Que teor? Que tipo de conversa pode haver entre colegas? Trabalho, apenas.
- Não Anabela, você sabe que não. Mas eu também não pretendo aprofundar isso, eu vim aqui para lhe fazer um aviso.
- Um aviso? Isso é para tomar como algo negativo? Uma ameaça?
- É livre para entender como quiser. É um aviso bem simples de assimilar. Tenha muito cuidado com o que anda a tentar fazer, a tentar saber, mais cedo ou mais tarde, será descoberta, e tenho a plena certeza que você não sabe os problemas que isso vai acarretar para a sua vida. Tenha muito cuidado.
Disse aquilo, deu boa noite e foi embora. Perdi o sono, e a hora tardia já nem me importou muito, fiquei atordoada, com medo. Ela foi firme no que disse, ela sabe que estou a tentar descobrir mais coisas sobre a morte do pai dela. Mas afinal, ela veio ameaçar-me ou alertar-me? É a dúvida que permanece.

© Alexandra Carvalho

O SABOR DA MORTE (Parte 8)


Passaram alguns dias, não voltei a estar nem com o Pedro nem com o Ronaldo, a verdade, é que também não tive uma semana calma, não tive tempo para os procurar mas nenhum deles teve a iniciativa de o fazer.
O trabalho consome a maior parte do meu tempo, e os pequenos momentos livres que tenho é para descansar em silêncio, para ler, ver televisão ou navegar na internet.
Por outro lado, também não queria dar justificações ao Pedro, falar do meu colega, daquilo que conversamos e do que ficou para conversar. Sentia-me pressionada e cansada, deixei-me ficar quieta, na minha rotina diária. Em algum momento voltaria a falar com eles, mas não agora.
Já sabia que depois de ter decidido investigar por conta própria a morte do jornalista a minha vida iria mudar, mas provavelmente não pensei que fosse tanto, na minha ingenuidade nem tinha bem a noção de onde me estava a meter, que confrontos eu poderia vir a vivenciar. Eu sabia que o jornalista era famoso, sabia que era um meio que eu não conhecia bem. É verdade que eu fazia parte de um meio elitista, que conhecia muita gente na saúde e mesmo noutros ramos, mas os anatomistas patológicos não costumam ter um papel muito visível, fazemos parte do meio, mas somos facilmente obscurecidos perante os outros especialistas da saúde. Diga-se de passagem, que é muito mais bonito ser cardiologista, pneumologista, ou algo assim.
Já tinha passado por todo aquele processo de descrença no início de tudo isto, e foi difícil mas efectivamente, não pensei em nenhum momento que pudesse vir a ser ameaçada, mas fui.
Já era tarde, lembro-me de olhar para o relógio do computador e ter visto que já passava da meia-noite, não costumava ficar até tão tarde acordada e muito menos na internet, mas naquele dia tinha decidido tirar tempo para fazer pesquisa e surgiram documentos tão interessantes que me deixei ficar presa ao computador.
A campainha tocou, não a da porta de acesso ao prédio, mas a do meu apartamento, fiquei intrigada, quem é que me vem chatear àquela hora? Devia ser algum vizinho ou alguém do condomínio.
Não era nenhum rosto conhecido, pelo pouco que conseguia ver pelo olho da porta, era uma mulher, não me pareceu suspeito, e abri a porta.
- Boa noite, pela expressão de dúvida já percebi que não sabe quem sou, mas é muito fácil, Daniela Fonseca.

© Alexandra Carvalho

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Acaso

As tuas palavras

Ecoam nos meus ouvidos

Como se de sinos se tratassem…

A melodia conforta-me,

Traz algo especial aos meus dias.

Cá dentro, é como se te conhecesse,

Como se fosses um acaso do destino.

Sabendo ou não,

Tu disseste o que eu precisava ouvir.

Fizeste renascer a parte de mim

Que eu deliberadamente,

Deixara esquecida no passado.

domingo, 20 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 7)

Talvez possa parecer estranho, mas quando Pedro tocou a campainha do meu apartamento, eu hesitei em abrir a porta. Via-o através do monitor do interfone, ele estava inquieto, um olhar preocupante, não sei o que teria para me dizer, eu é que não lhe queria contar nada sobre o meu dia.
Não abri a porta, mas nem é preciso dizer que em segundos o meu telemóvel estava a tocar, podia muito bem dizer que não estava em casa, ele não tinha como saber, não tinha acesso ao estacionamento, por outro lado, eu estava com vontade de mentir para o meu amigo de infância, e isso nunca tinha acontecido antes.
- Sim.
Tentei parecer o mais normal possível.
- Então Anabela, não estás em casa? Acabei mesmo de tocar na campainha do teu prédio, acabei por desistir, vim até ao café em baixo, está tudo bem?
Era mentira, ele continuava lá e dizia-me que estava no café, estávamos os dois a mentir, não sei bem porquê.
- Está tudo bem, não te preocupes, nem tenho dito nada, a investigação está em pausa, ando cheia de trabalho, sabes como é. Agora vim à casa do Fabrício, ele estava a precisar falar, anda novamente com problemas existenciais, aquelas coisas dele, sabes?
- Pois, esse homem passa a vida nisso, é como se a vida dele fosse a pior de todas, desilusões amorosas deviam passar rápido, mas ele deixa-se ficar nas recordações. Mas está bem, dá-lhe apoio, depois ligo mais tarde. Contas-me o que soubeste com o médico, o teu colega.
- Sim, sim, não te preocupes. Irei pôr-te ao corrente das novidades. Até logo. Beijo.
Desliguei, não me sentia bem, uma estranha sensação de desconforto apoderou-se de mim, eu menti descaradamente ao Pedro, à única pessoa que seria incapaz de mentir, pelo menos, até hoje. E agora o Fabrício, tenho de o avisar deste episódio não vá o Pedro falar-lhe disto. De repente, a minha vida estava a tomar um caminho sinuoso, até onde isto irá.

© Alexandra Carvalho








sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 6)

- Anabela, nós já falamos há algum tempo, e cada vez tornamo-nos mais íntimos, até agora ainda não percebi o que te impulsionou a isso. Sempre fui fechado, não é novidade, sei bem o que o pessoal diz por aí, então resta-me uma pergunta, qual é o teu interesse?
Naquele momento o chão fugiu-me dos pés, mas que resposta plausível conseguirei inventar tão rápido, ou direi a verdade, correndo o risco de acabar com qualquer ponta de esperança em descobrir alguma coisa. Não me ocorreu mais nada, senão, desconversar.
- Interesse?! Mas que tipo de interesse poderia eu ter em ti? Segundo me consta somos colegas, não vejo nada de estranho nisso, mas porquê, tu vês?
- Vejo, completamente. Não sou do tipo de ter amiguinhos entre os colegas de trabalho. Basta olhar à volta, e ver que tipo de relação tenho com os colaboradores do hospital. Então, sim, vejo algo de muito estranho nisto.
- Não tens amiguinhos, mas provavelmente por isso, deixaste que eu te abordasse. Já pensaste nisso?
- E era sobre isso que estávamos a falar? Se achas que o teu poder de desconversar é assim tão magnífico, enganas-te, redondamente.
- Mas afinal, achas que posso estar a querer seduzir-te! É isso?
- Seduzir, não. És demasiado inteligente e coerente para o fazer. Sabes que tenho namorada, sabes que jamais me envolveria com alguém do meu núcleo profissional. Há um interesse qualquer, já me passou algumas ideias pela cabeça, mas ainda não tive vontade de explorar isso.
Mas que ideias é que lhe passaram pela cabeça, será possível que esteja a desconfiar da verdade. Ele é antissocial mas não é desatento.
- Anabela Fontes, não sou otário, nem vou fingir que sou, só para facilitar a tua vida.
- Como assim? Não tenho a certeza se consegui perceber onde queres chegar.
- Simples, acho que é óbvio e ambos concordaremos nisso, tu sabes com quem namoro, ainda mais óbvio que saibas quem era o pai dela, e concordaremos certamente nisto também, tu fizeste a autópsia do Tiago, na altura em que ele morreu. Agora, ainda mais simples é, tu foste desacreditada na época, por causa do teu resultado na autópsia, para além disso, houve a necessidade de fazer nova autópsia pelos médicos da clínica que a família dele frequenta. Precisas de mais?
- Hummm, mas achas que eu me aproximei para tentar saber coisas sobre essa decisão de fazer nova autópsia?
- Claro que não, tu aproximaste-te porque sabes que ele não teve um ataque cardíaco, ele foi assassinado, e estás revoltada porque ninguém investigou este homicídio.
Sim, agora faltaram-me as palavras e os argumentos também. E tenho a certeza que ele percebeu isso. Terei aqui um aliado, ou um suspeito?
- Essa é uma informação com rasteira? Ou devo comentar isso? Estou à deriva.
- Desde o início que percebi que a tua aproximação, devia-se a esse facto. Deixei passar, porque tu és uma colega simpática e interessante, para além de que concordo contigo, pelo menos até um certo ponto. Não sei se te posso ajudar, estou demasiado envolvido naquela família, mas a verdade, é que também não sei assim tantas coisas. Eu sou o namorado da filha, não o marido, e aí está uma diferença abismal, no que toca a informações privilegiadas.
- Acho que agora não vale a pena continuar a farsa, acertaste no ponto. Agora a minha carreira está mais equilibrada, mas naquela época, as coisas não foram fáceis, nada mesmo.
Senti que podia confiar nele, a sua transparência e clareza demonstravam a sua honestidade e carácter. Não valia a pena continuar a mentir.
- Tens razão, está na altura de falar, de tentar explicar o porquê de ter travado conversa contigo naquele dia. Mas não quero que isso afecte o relacionamento que temos, agora. Acredites ou não, comecei a gostar de ti. És um bom colega.
- Um bom colega, bem, talvez isso seja exagero. Não sou muito sociável, por opção, este hospital é pequeno demais para que possamos criar amizades, há muitas conversas paralelas, e eu nunca gostei disso. Irritam-me.
- Tens razão, as instituições são como os locais, pelo meio há sempre conversas paralelas, comentários mesquinhos, nem sempre apetece interagir com esse determinado tipo de pessoas.
Por destino ou não, a verdade é que surgiu ali um entendimento maior do que estávamos à espera, penso que surgiu logo no início. A química não se explica, sente-se e aproveita-se.
E quando a nossa conversa iria finalmente se desenrolar, aparece do nada uma enfermeira toda apressada a chamar pelo Dr. Ronaldo Figueiredo, é claro que ficamos por ali, mas inevitavelmente voltaríamos a conversar.

© Alexandra Carvalho






















quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 5)

O Ronaldo é um ser humano confuso, não se trata de maneira nenhuma de um médico popular, em que os utentes encontram na rua e abordam, pelo contrário, mantém uma postura fechada, não socializa dentro do Hospital nem na Clínica onde trabalha a tempo parcial.
É um bom médico dentro da sua especialidade, neurocirurgia. A Ilha da Madeira é pequena, então torna-se fácil detectar os bons médicos em cada especialidade, uma vez que são praticamente uma minoria.
Diz-se entre os utentes que até nas consultas ele mantém-se demasiado sério, focaliza-se apenas nas questões centrais, que interessam no estado do paciente e não permite extravasar para outros temas que não lhe digam respeito.
Tive sorte, porque nesse mesmo dia encontrei-o num dos corredores do hospital, e por mais estranho que pareça, sorriu, um leve cumprimento, mas sim, sorriu.
Não foi de todo complicado travar conversa com ele, talvez entre colegas, o círculo de socialização não fosse tão fechado. Falamos de assuntos do hospital, a falta de pessoal que por vezes é visível, médicos em especial. E isto manteve-se alguns dias, em encontros casuais, no bar do hospital ou até mesmo no café ali perto, onde muitas vezes, a equipa médica vai, naquela necessidade de sair do espaço durante os períodos de lanche, ou simplesmente para tomar café, algo que acontece com pouca frequência, não há tempo que sobre num hospital.
Nunca demonstrei interesse em demasia para que o meu colega não percebesse que queria dele muito mais do que simples conversas. Mas a verdade é que em algum momento fui transparente e em pouco tempo a conversa que eu procurava simplesmente surgiu.

© Alexandra Carvalho

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 4)

Quando se mantém uma amizade de uma vida inteira, muitas palavras deixam de ser ditas, porque apenas um olhar revela o nosso estado emocional, a nossa essência mostra-se a quem nos quer bem e a quem nós queremos bem. E entre Anabela e Pedro existia esse tipo de amizade, estranhamente, muitas palavras deixaram de ser ditas, e algumas delas não foram reveladas com o simples olhar, mas isso, ainda é muito cedo para abordar.
Pedro é o tipo de homem galã, movimenta-se muito bem em todos os círculos sociais, tem amigos em todo o lado, muitos devem-lhe favores e ele aproveita-se disso de vez em quando, mas só mesmo de vez em quando.
Não assume relacionamentos sérios, não tem interesse, pelo menos é o que diz, tem a seu favor a beleza e o charme típicos de um galanteador, aventuras amorosas é coisa que não lhe falta. Bem, admito que a sua profissão também lhe confere algo extra, as mulheres acham piada a profissões de risco.
Conhecemo-nos há imenso tempo, quase que perdi a conta dos anos. Crescemos juntos, colegas desde o ensino básico ao ensino secundário, eu grande aluna, ele, assim-assim, como ele próprio diz. A verdade é que conseguimos manter ao longo dos anos a mesma amizade, aquele tipo de amizade que cresce à medida que nós crescemos também, como homens e mulheres.
Os dias passam e tenho a estranha sensação que pouco avança esta investigação, é como se tudo estivesse na mesma, como se houvesse um bloqueio que não me permitisse descobrir nada e o Pedro, por mais técnica que tenha e experiência na área também não está a avançar nas informações.
O melhor caminho a seguir provavelmente será pela filha, a Daniela ou até mesmo pelo namorado, o Ronaldo, é médico, para mim não será tão complicado chegar até ele.

© Alexandra Carvalho

O SABOR DA MORTE (Parte 3)

Antes de chegar à sala do Pedro, tenho de percorrer um corredor enorme com imensos gabinetes, passei-os todos e bati à porta.
- Entre – disse Pedro com a sua tão característica voz rouca e baixa.
- Olá, sou eu! Tens tempo para mim? São só uns minutos! Sim?
- Claro que sim, Anabela. Arranjo sempre tempo para ti. Mas diz lá, para te deslocares até ao meu escritório deve ser mesmo muito importante, detestas cá vir…!
- Pois é, e nem sei muito bem como começar, prepara-te!
- Vá, fala.
- Ouviste falar com certeza na morte do jornalista Tiago Fonseca?!
- Então não ouvi! Apareceu em todos os jornais e em todos os canais de televisão, para não falar do rebuliço que houve cá dentro! Uma morte estranha, digo eu!
- Também achas estranha?
- Sim, aquele ataque de coração não me convenceu minimamente. O homem era muito cuidadoso com a sua saúde e além do mais, horas depois da sua morte, um médico afirmou que aquilo era impossível, porque ele nunca teve problemas de coração, ou seja, tinha saúde para dar e vender! Contudo, ainda não acaba aí, porque com o desenrolar, tudo parou, e o médico surge novamente a dizer que era possível ter-se enganado, contraditório não?! Eu sou sincero, não me convenci, de qualquer forma não posso fazer nada, foi encerrado o caso, a família não insistiu… e esse também, quer dizer que partilhas da mesma opinião?!
- Exactamente, mas há um pormenor que desconheces, o corpo quando foi retirado da casa foi para o hospital, que é onde eu trabalho, imagina quem…
- Já percebi, foste tu quem fez a autópsia, e o que encontraste no corpo?
- Vou directa ao assunto, ele tinha vestígios de um veneno que provoca ataque cardíaco. É através de uma injecção e normalmente não dá para perceber que foi aplicada, mas neste caso deu, ainda mais porque ele tinha o braço ligeiramente marcado, deve ter tentado fugir mas não conseguiu. Enfim, é isto, tenho o resultado da autópsia comigo, é uma evidência. De seguida, aconteceu uma série de situações que provaram a minha desconfiança. Pedro, eu sei que é loucura, mas quero descobrir a verdade. Aconselha-me!
- Bem… é aliciante, até eu gostava de saber a verdade, mas é arriscado, mexe com gente importante.
- Achas que não sei que é arriscado?! Entende o meu lado, as pessoas deixaram de acreditar na minha capacidade como anatomista patológica, não leste os jornais, não viste televisão?!
- Não fazia ideia que eras tu, não mencionavam nomes, nunca vi a tua fotografia em lado nenhum, se soubesse talvez tivesse agido na altura.
- Não posso continuar assim, a minha vida desmoronou a partir deste caso. Eu tenho a certeza do que analisei, mas a família fez questão em me desmentir arranjando outro anatomista, provavelmente comprado ou chantageado, sei lá, mas também não interessa!
- Enganas-te, interessa muito. Se o médico foi chantageado, já temos uma ponta solta, torna-se mais fácil obter dados.
- Temos?!
- Já entrei no caso e podes ter a certeza que vou até ao fim.

© Alexandra Carvalho

O SABOR DA MORTE (Parte 2)

Eram três horas da tarde, tudo estava calmo. Tinham passado dois meses desde a morte do jornalista. Ninguém tinha chegado a nenhuma conclusão, uma única pista que fizesse perceber aquela morte. Por mais incrível que pareça, a família de Tiago, perguntava-se constantemente porque apenas eu achava que ele tinha sido assassinado e não tinha sido vítima de ataque cardíaco, como constava no relatório da autópsia da sua clínica. Porém, é fácil responder a essa pergunta, fui eu a pessoa que lhe fez a primeira autópsia e aquilo que constatei não foi um mero ataque cardíaco, próprio da idade de Tiago, 70 anos, mas sim algo que lhe foi aplicado forçosamente para ter esse efeito. Como é óbvio, ao saber da diferença de relatório entrei em contacto com a clínica que fez a segunda autópsia, e tornou-se curioso este caso, porque me vetaram a entrada e principalmente o acesso aos dados da análise.
Passados estes dois meses, tomei uma decisão. Não me vou calar mais, pretendo descobrir a verdade e fazer justiça por aquele homem que já não se encontra entre nós, por vontade de alguém, ou porque a sua presença não estava a agradar ou então porque já era hora de passar a fama a outra pessoa, nomeadamente, à sua única filha, Daniela, a sucessora naquele mundo de riqueza e fama.
São dez horas da manhã, é o meu primeiro dia como detective. Admito sem embaraço algum, que não é o meu forte, mas como o que está em causa é um motivo de força maior, vou deixar de lado o meu espírito pacato e conformista e começar a dar acção à minha vida. Acho que Tiago merece o meu esforço e dedicação, não que eu tenha tido algum tipo de relação com ele no passado, apenas acho que qualquer pessoa merece justiça, independentemente de estar viva ou morta. Claro está, também para mostrar que estava correcta na minha análise.
Não sei muito bem como começar mas como os amigos existem e podemos sempre recorrer a eles, estou com sorte, o meu melhor amigo é da polícia judiciária e com o apoio dele tudo será mais fácil.

© Alexandra Carvalho


O SABOR DA MORTE (Parte 1)

Não sei ao certo qual a data, qual a hora da sua morte, sei apenas que Tiago Fonseca não morreu por morte natural mas sim por homicídio. Apesar de afirmar com toda a determinação este facto, não sou testemunha, nem tão pouco fui eu a ver primeiro o cadáver estendido na sala da casa onde vivia.
Ele vivia só, tinha poucos amigos e bastantes inimigos, mas seriam eles capazes de cometer tal crime? Não me parece!
Tiago era jornalista, um famoso jornalista, possuía alguns empreendimentos de comunicação social na ilha onde havia nascido, a Madeira, nomeadamente rádios, jornais e uma data de revistas de carácter geral e específico, diga-se de passagem que era um homem bem-sucedido na vida, conhecido entre os vários estratos sociais, o que não é de todo difícil, porque a Madeira é uma ilha pequena.
Já há alguns anos que não exercia a sua profissão, os seus empreendimentos ocupavam a maior parte do seu tempo, acabou por deixar de lado o jornalismo, agora era talvez, empresário, sei lá, qualquer coisa de importante. Os inimigos que tinha eram do mesmo ramo, logo, a inimizade existente era pura e simplesmente por causa de vendas e audiências, não acredito que algum deles fosse capaz de matar por isso, até porque a maior parte destes rivais tinham dignidade e inteligência suficientes para não cometer tal estupidez. Tiago fazia parte de uma classe social alta, assassiná-lo era sinónimo de escândalo e investigação.
Este homicídio tem muito a desvendar, provavelmente o assassino é alguém que ninguém põe em causa. Eu também não sei, nem vou fazer nada para descobrir. A polícia existe, os detectives privados também, que façam o seu trabalho e um dia saberão quem matou Tiago Fonseca, o rei madeirense da comunicação social.

© Alexandra Carvalho



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Apenas sonhos e algumas decepções

Acabei por andar mais ausente das minhas publicações porque fui apanhada por uma gripe própria desta altura, num dia adormecemos bem e no outro, a cabeça está à roda, os olhos a arder, e a garganta a incomodar imenso.
Mesmo sem querer, uma simples gripe deixa-nos mais vulneráveis, sentia-me tão mal, que até deixei cair algumas lágrimas, o ser humano no auge da fraqueza sempre acaba por chorar, e eu, diga-se desde já, que não tenho dificuldade em chorar.
Nestes momentos pensamos em muita coisa, na vida que temos, no que não temos, no que queríamos ter, apercebi-me que a minha percentagem é mais elevada naquilo que não tenho, do que aquilo que tenho. Não sou materialista, e nem é disso que se trata, falo dos sonhos, daquilo que gostava de estar a fazer,  daqueles sonhos que crescem connosco, que criam asas dentro da nossa imaginação, da nossa mente e também do nosso coração.
A verdade é que nem todos os sonhos se realizam, nem mesmo aqueles que achávamos à partida fáceis de realizar, como trabalhar na sua área de formação.
Portugal foi caminhando a passos largos para o abismo, e quando achei que estaria prestes a realizar esse sonho, o país apercebe-se que afinal, já caiu no abismo, e muitos sonhos não poderão ser concretizados.
O planeta Terra é enorme, há sempre escolha, há sempre um cantinho que talvez nos dê a oportunidade de fazer o que nós gostamos, de sermos quem verdadeiramente somos, um lugar que não nos corte as asas, nem dos nossos sonhos nem do caminho que queremos percorrer.

© Alexandra Carvalho

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Em diagnósticos

Esta é uma daquelas noites em que me apetece ir para o computador e escrever, ou no livro que ando a fazer ou algum tipo de crónica ou desabafo, mas a verdade é que não o posso fazer. O meu computador avariou vai fazer um mês e por mais incrível que pareça continua em fase de diagnóstico. Este é o nosso país, tudo muito devagarinho, este é o ritmo de trabalho mais frequente, dá tempo, o cliente não tem pressa!
Confesso, estou a entrar num estado que não me agrada muito, um mês para fazer diagnósticos? Para mim, ultrapassa o razoável. E eu como sou uma cliente exigente e pro-activa, é  óbvio que já tiveram que levar com os meus telefonemas e até com uma visitinha minha, não resultou, "sabe, ainda não tivemos tempo de mexer nele", surreal, será mesmo falta de tempo ou falta de empenho, de dinamismo?
Bem, o certo é que já não sabia o que era viver sem computador, é o degredo, é um condicionalismo enorme. Apesar da televisão existir há muito mais tempo, e por mais estranho que possa parecer, eu consigo viver sem televisão, mas se me tiram o computador e a Internet os meus dias tornam-se bem mais cinzentos e irritantes.
Amanhã estou eu a telefonar de novo.

© Alexandra Carvalho

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Aceitação


Eleva-te das sombras,
Encontra a luz que já possuis,
Esquece o medo e a dúvida,
A vida é mais colorida
E muito mais luminosa
Do que o teu coração perdido
Te permite ver…
Depois de um caminho fechado,
Há sempre um trilho que se mostra,
Percorre-o sem medo,
O fácil nunca é mau,
É a vida a te sorrir…
Mas não te esqueças
Que todos os dias deves crescer,
Deves evoluir e perceber quem és.
Os caminhos complicados
Não são castigos, é o teu destino,
Escolheste-os mesmo sem saber.
O teu coração perdido
Escolheu o que queria viver;
O que queria sentir…
Encontra a tua luz
E aceita as escolhas da tua vida,
São elas que te farão percorrer
O teu verdadeiro destino.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Uma escolha que não é minha


Não posso dizer
O que não sinto;
Nem posso omitir
Aquilo que me invade o coração.
Esse tal vazio não existe,
Jamais existiu;
Existe sim, um ser que procura a sua essência.
Não é este eu que conheces,
Conheces o antigo,
O desprotegido, o ingénuo,
Aquele que ainda não se tinha encontrado.
Não sei se te agrado assim,
Nem sei se é suposto agradar a alguém.
Esta sou eu,
Sem fachadas, rosto descoberto,
Alma visível…
Não sou fácil,
Nem quando me torno visível,
Mas foi assim que escolhi ser.
Tu és aquilo que és,
E não o que os outros querem que sejas.
Esta sou eu,
Sem moldes, nem influências.
Este é o verdadeiro eu,
Será este que tu queres?

sábado, 22 de outubro de 2011

E afinal o que conta é o agora


Não és mais do que uma peça
Deste presente;
Não és mais do que uma recordação
De um passado tumultuoso,
De encontros e desencontros,
De choques de palavras,
De verdades sem verdade,
De mentiras criadas…
E agora voltas,
Desejas um futuro que não sabes
Se um dia irá chegar,
Mas acima de tudo,
Desejas estar aqui agora.
Sendo nós próprios, neste presente,
Depois do passado,
Depois das mentiras,
Com toda a aprendizagem
Que conseguimos carregar nas costas…
Agora somos nós,
Depois ninguém sabe…

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Puramente carnal


Não são as tuas palavras
Que me movem,
Acho que nem o teu olhar…
É o teu toque, o teu corpo
Que chama pelo meu,
Transpiras vontade de me tocar,
E eu, alheia a tudo,
Finjo não perceber…
Lembro das tuas mãos
A me puxar para ti;
Lembro do teu beijo
A explodir de intensidade…
Fomos amantes um dia,
Somos amantes para sempre.
Não me confundas,
O amor nem sempre existe na paixão.
Não entregues o que sabes
Que não vou aceitar…
Só te quero a ti,
A carapaça de um ser
Que praticamente, desconheço.
Não quero defeitos, nem virtudes
Não quero sentimentos confusos
Ou emoções complicadas.
Quero-te a ti,
O corpo que me satisfaz…

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Uma das partes


Não me abales a estrutura
Que levei anos a solidificar;
Não me provoques agora,
Quando consegui aumentar
As minhas defesas em relação a ti.
Não sorrias,
Sabes que deixo de resistir;
Não brinques,
Sabes que adoro quando o fazes…
Eu também penso em ti,
Ou voltei a pensar,
Acabaste por conseguir
Derrubar alguns tijolos
De uma estrutura que pensei existir para sempre.
Tu sempre voltas,
E todas as vezes, eu deixo,
Permito-me voltar para ti…
Serás a minha eternidade?
Não, mas és certamente,
Uma das partes que me completa.

sábado, 15 de outubro de 2011

Já sabias que era assim


Já sabias que ia ser assim,
A noite quando se tornasse insuportável
Eu lembraria da tua oferta,
Bem ao meu lado a chamar por mim.
Não foi uma oferta despretensiosa,
Tu sabias…
Não consigo deixá-lo em branco,
Quando tenho o meu coração
Exaltado, confuso, gritante…
Não sei mais nada;
Não sei que outras palavras
Posso inventar para preencher
O branco das páginas da minha vida…
Não sei o que esperar da vida,
Nem sei se alguma vez
Ela soube o que esperar de mim?!
Já sabias que era assim?!
Sabias que as palavras são tudo
E são nada;
Já sabias que a vida faz-se sozinha,
O destino cumpre-se sozinho…
Não me satisfaz fazer perguntas,
Quando as respostas podem mudar tudo…
Conheço-me? Sim…
E nesse conhecimento,
Dou permissão para me deixar no anonimato,
Longe da razão e do sentimento,
E ao mesmo tempo, tão presente e tão perto,
Para que possa viver tudo tão intensamente.
Mas tu já sabias que era assim…

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O tempo passa

Onde é que estás?
Em que paragem ficaste
Que até agora não nos encontramos?
O meu olhar procura o teu,
Mas apenas encontro o olhar vago
De estranhos, desconhecidos,
Olhares errados…
Enganei-me algumas vezes,
Desculpa, a solidão fez-me
Reconhecer-te em qualquer desconhecido
E deixei-me cativar…
Demoras tanto,
Não sei se ainda quero esperar
Ou se deixarei mais algum estranho
Penetrar no meu olhar…
O tempo passa e com ele,
A minha vida vai perdendo dias,
Meses, anos, a tua vida também…
Em algum momento, segue o teu coração
E vem ter até mim,
Não demores,
Espero por ti aqui, neste tempo,
Nesta vida que planeamos os dois.
Cansei-me dos outros,
Apaguei os seus papéis,
E as memórias que partilhamos
Deixaram de ser importantes…
Não demores, o tempo passa…

domingo, 25 de setembro de 2011

Entre metas e desígnios

Não sei que metas escolhi;
Não sei que planos delineei
Para este tempo, para esta vida.
Sei apenas que o coração
Está vazio, está sedento
De um amor que nem sei se existe.
Entre o momento que fecho
Os meus olhos e entrego-me
Ao silêncio e à noite,
E o momento em que os abro
E vejo a clareza de um novo dia,
A solidão permanece,
Intacta, firme…
Gritando pela sua liberdade.
O coração pede para
Ser preenchido por algo melhor,
Ele precisa encontrar a sua plenitude.
Espero pelo momento
Em que os meus planos se cumpram;
Espero pela hora em que tudo
Será mais fácil…
Não sou eu que me resguardo na solidão,
É ela, quem ainda não está pronta
Para ir embora…
Falta aquela plenitude,
Falta a outra parte
Que equilibra a mente e o coração.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma incerteza que confunde

Não sei bem que vida espero ter, nem sei tão pouco se espero alguma coisa.  O ser humano geralmente cresce com ideais, sonhos, metas, objectivos que em algum momento vai atingir, sabe que vai atingir.
Não sonhei muito, mas também não tive sempre os pés bem assentes neste chão de vida tão complexo e nem sempre real.
Dizem que escolhemos viver, decidimos que viríamos novamente para este planeta cumprir algo, melhorar características, limar arestas que ficaram por limar, mas isto tudo é demasiado confuso quando não sabemos o porquê de termos voltado.
Tentamos nos conhecer a cada dia que passa, tentamos entender o porquê das nossas atitudes, o porquê dos nossos medos, tentamos compreender quando alguém nos faz sofrer, tentamos sempre qualquer coisa, passamos a vida a tentar…
E nestes intervalos da vida, em que não pensamos em nada, ainda assim pensamos, pensamos numa razão, por mais simples que seja, de nem sempre a vida ter sido justa connosco, mas afinal, saberemos o que é justiça? Até que ponto, esta incerteza do ser humano não faz parte do contrato feito na altura da decisão?
Deixei de esperar seja lá o que for,  mas continuo a caminhada, sei que algum dia encontrarei a verdadeira razão da minha vida, ou talvez, passarei por todos os anos, por todas as experiências, sem saber o porquê de tudo isso.
Talvez não esteja definido que precisemos saber o porquê, o importante talvez seja, apenas viver.

© Alexandra Carvalho

domingo, 11 de setembro de 2011

Ir ou ficar

Não é fácil tomar decisões importantes, nunca é. Mas decidir deixar para trás a família e a nossa língua é talvez das decisões mais complicadas.
De que serve ficar no país que nascemos e crescemos,  se esse mesmo país não nos pode acolher como queremos e como merecemos?
Mas de que serve ir embora, se deixamos para trás o nosso verdadeiro eu, preso a todas as tradições, a todas as raízes familiares?
Jamais a mudança foi um processo fácil para o ser humano, mas a verdade, é que sempre conseguimos nos adaptar à nova realidade.
Tenho o coração tão apertado, numa ansiedade desmedida, que há muito não experienciava. Acordo todos os dias com a mesma sensação, esta é a altura certa para mudar, para recomeçar a vida noutro sítio qualquer. Mas apesar dessa sensação, não consigo desligar-me das outras sensações, da saudade, do tremendo medo da solidão. Não sei viver só. Nem consigo conceber essa hipótese.
Estou muitas vezes trancada no meu mundo, num espaço que eu própria crio, mas no entanto, sei que quando quiser sair tenho toda a gente à minha volta, lá fora não será assim, terei o mar a barrar-me o acesso àqueles que eu gosto.
Apesar disso, não fomos criados para ficarmos dependentes de ninguém, fomos criados para percorrer o nosso próprio caminho, e é esse caminho que preciso percorrer agora.

© Alexandra Carvalho

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Recomeçar

Não sei se vou atrás do amor,
Nem tão pouco de uma carreira de sonho,
Vou atrás de mim,
Vou à procura da minha essência
Que se desvaneceu com o tempo.
Não vou atrás de ti,
Mas foste tu quem me despertou,
Soltaste as cordas, tiraste a venda…
Não sei se perdi o medo,
Mas ganhei vontade de recomeçar…

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Não Sou…

Não sou arrogante,

Sou uma pessoa solitária

A quem nem sempre os outros

Conseguem acompanhar…

Não sou preconceituosa,

Tenho apenas os meu conceitos predefinidos,

Não me culpo, cresci assim!

Não sou injusta,

Aprendi a viver num mundo

Repleto de injustiças…

Não sou amiga de toda a gente,

Mas afinal, quem o é?

Não sou perfeita,

Mas mais ninguém é…

Temos todos defeitos,

Uns gostam de nós

E outros não,

Tal como nós gostamos de uns

E de outros não…

Mas não sou pior

Nem melhor por isso,

Sou eu, apenas…

Um ser humano…

domingo, 14 de agosto de 2011

Oscilações e Desencontros (Final)

- Não foi difícil encontrar-te desta vez, parece-me que no teu íntimo estás sempre à espera que eu te encontre, agora até já ficas nas esquinas do meu prédio. – Tão solitário como sempre apareceu-me ali sem eu estar à procura, simplesmente apareceu.
- Mudaste a postura em relação a mim, e sem querer ser mal-educado, não te dei confiança para isso.
- Não me deste confiança, mas a questão é que sentias falta de falar com quem quer que fosse e para tua sorte ou não, calhou-te na rifa, eu. E agora nem vale a pena desconversar, nem falar sobre o mar, o tempo, a solidão, sobre profissões, se bem que acredito que o queiras fazer. Já percebi tudo Afonso, será que tu percebeste?
- O quê? Que ninguém me responde, que me tornei invisível aos olhos de todas as pessoas à minha volta, que no trabalho já ninguém me cumprimenta, já ninguém me dá qualquer informação. E afinal, o que estou aqui a fazer? Afinal, quem és tu, o que te torna tão especial para que me possas ver, para que me possas ouvir?
Se eu estava com vontade de o confrontar e ter todas as respostas, mudei de ideias, os papéis inverteram-se, Afonso estava a pôr-me contra a parede, era ele que estava a confrontar-me com algo que eu desconhecia totalmente e ele estava tão à vontade com isso, ele sabia que estava morto, que a sua vida terrena tinha-se esfumado entre os dedos no passado, num passado que eu nem sabia se era recente ou não. Já eu, não fazia a mais pequena ideia do que estava a acontecer comigo.
Deixei-o lá na esquina, ele ia aparecer novamente e eu naquele momento queria apenas esquecer tudo.
- Encontraste-o?! Vens nervosa! O que te disse? – Alaíde estava à minha espera.
- Ele sabe, não precisa que eu lhe diga que está a viver num plano que já não é o dele. Eu é que não sei nada. E ele percebeu isso, puxou-me para as perguntas que eu não queria fazer a mim própria. Será um dom?! Será que eu estou ligada a ele e por isso consigo vê-lo? Mas como? De outra vida? Eu nunca vi aquele homem até àquela noite no miradouro, e agora parece que ele me persegue.
- Ainda estou a pensar nisso, pode ser um dom, podem ter sido companheiros numa outra vida, e agora ele encontrou uma forma de comunicar contigo, podem ser tantas coisas, se pensarmos bem, desconhecemos o que se passa depois da partida terrena. Também pode querer dizer-te algo, se realmente tiverem sido companheiros, amantes noutra vida ele pode querer dizer-te que precisas ser feliz, porque eu se estou cá por baixo vejo que a tua vida está parada, ele, que está num plano diferente, provavelmente consegue ver melhor isso, talvez até consiga ouvir os teus pensamentos, sentir as tuas emoções.
O fim-de-semana terminou e voltei a estar só, eu e Afonso.
- Rafaela, não queiras fugir do que vês nem do que sentes. – Era a voz dele, agora já me aparecia em casa, com tanta naturalidade que esbarrava o real. Mas eu tenho a solução para isto, não falo, não ouço, não vejo.
- Rafaela, não te feches numa concha que podes ter dificuldade em abrir no futuro. As coisas acontecem por uma razão. Vais ter de descobrir a razão pela qual me consegues ver. Eu poderia dar-te a resposta mas esse é um caminho que tens de ser tu a percorrer.
- Não sei qual foi a parte que não percebeste que não te quero ouvir mais, eu estava bem na minha rotina de vida, estava descansada, não tinha problemas sobrenaturais a me chatear. É assim tão difícil perceber?
- Difícil não será, acho que é consensual, as pessoas não gostam de viver experiências sobrenaturais, e no teu caso, eu sou um estranho, para os devidos efeitos. Rafaela, tens de descobrir a vida.
Ele era um estranho, para os devidos efeitos, acho que a partir deste comentário ficou óbvio que não somos estranhos um ao outro, vidas passadas quem sabe.
- Vidas passadas? É daí que nos conhecemos, quer dizer, que tu me conheces, porque efectivamente, apagaram-me bem a memória, porque eu não faço ideia de quem sejas.
- Não sabes, mas sentiste a afinidade que sempre existiu entre nós. Lembras-te do miradouro, eu nem tinha falado contigo ainda e tu já estavas encantada, a ligação que temos com cada alma, não morre só porque nós morremos, como corpo, essa ligação fica para sempre, e saberás isso quando voltares.
Eu até conseguia entender tudo isso, até conseguia acreditar que fosse real, mas a sensação de desconforto continuava patente. Nós não somos programados para vivenciar experiências destas, para conversar com pessoas que já partiram.
- Se o contexto fosse diferente, tu eras o tipo de pessoa por quem eu provavelmente iria apaixonar-me, eu senti isso lá no miradouro. Talvez venha mesmo de outra vida, ou de várias vidas. Mas isto é tudo muito confuso.
- Não era suposto eu vir cá, eu vim por ti Rafaela. Vim porque tu planeaste uma vida inteira, e chegaste aqui a baixo e tens feito quase tudo ao contrário. Fizeste as escolhas erradas, e deixaste-te ficar numa solidão que não mereces. Deixaste de viver. Não voltaste por acaso, voltaste porque tinhas metas a cumprir, tinhas um propósito, alguns objectivos já conseguiste concretizar mas o principal ainda não.
- Isso quer dizer que ainda vou a tempo?
- Ouve o teu coração e começa a fazer as coisas que realmente te fazem bem, a vida não é só trabalho, é também prazer, é preciso saborear cada dia, porque depois levamos connosco todos esses dias, no momento da partida. Não te vou dizer quem fomos, nem o que somos ainda hoje, o que vamos ser para sempre, para uma eternidade que agora não consegues entender. Apenas quero que olhes para a tua vida e vivas.
Pela primeira vez, consegui vê-lo desaparecer, como uma pluma ao vento. Tão belo, tão iluminado. Afonso era o amor de toda a minha vida, de toda a minha eternidade.
Alguma coisa se passara pois Afonso deixou de aparecer.
A vida voltou ao mesmo, aos tempos de “casa-trabalho”.
Afonso, nunca mais o vi, mas a partir dele, percebi que nada acontece por acaso, e em mais nenhum momento deixei que a vida me passasse ao lado.
Não interessa como começamos a viver, nem quem nos abre os olhos, basta apenas começar a viver.
Afonso, estava a fazer com que eu voltasse a ser quem era, naquele dia no miradouro.
Dei comigo a pensar e a lamentar, por nesta vida não termos estado juntos, mas talvez, o plano era esse, conseguir sobreviver sem ele, e ainda assim, viver a vida de forma plena.
Deixei finalmente, que o meu sorriso voltasse e permiti-me abandonar de uma vez por todas, a solidão.

© Alexandra Carvalho