sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O SABOR DA MORTE (Parte 6)

- Anabela, nós já falamos há algum tempo, e cada vez tornamo-nos mais íntimos, até agora ainda não percebi o que te impulsionou a isso. Sempre fui fechado, não é novidade, sei bem o que o pessoal diz por aí, então resta-me uma pergunta, qual é o teu interesse?
Naquele momento o chão fugiu-me dos pés, mas que resposta plausível conseguirei inventar tão rápido, ou direi a verdade, correndo o risco de acabar com qualquer ponta de esperança em descobrir alguma coisa. Não me ocorreu mais nada, senão, desconversar.
- Interesse?! Mas que tipo de interesse poderia eu ter em ti? Segundo me consta somos colegas, não vejo nada de estranho nisso, mas porquê, tu vês?
- Vejo, completamente. Não sou do tipo de ter amiguinhos entre os colegas de trabalho. Basta olhar à volta, e ver que tipo de relação tenho com os colaboradores do hospital. Então, sim, vejo algo de muito estranho nisto.
- Não tens amiguinhos, mas provavelmente por isso, deixaste que eu te abordasse. Já pensaste nisso?
- E era sobre isso que estávamos a falar? Se achas que o teu poder de desconversar é assim tão magnífico, enganas-te, redondamente.
- Mas afinal, achas que posso estar a querer seduzir-te! É isso?
- Seduzir, não. És demasiado inteligente e coerente para o fazer. Sabes que tenho namorada, sabes que jamais me envolveria com alguém do meu núcleo profissional. Há um interesse qualquer, já me passou algumas ideias pela cabeça, mas ainda não tive vontade de explorar isso.
Mas que ideias é que lhe passaram pela cabeça, será possível que esteja a desconfiar da verdade. Ele é antissocial mas não é desatento.
- Anabela Fontes, não sou otário, nem vou fingir que sou, só para facilitar a tua vida.
- Como assim? Não tenho a certeza se consegui perceber onde queres chegar.
- Simples, acho que é óbvio e ambos concordaremos nisso, tu sabes com quem namoro, ainda mais óbvio que saibas quem era o pai dela, e concordaremos certamente nisto também, tu fizeste a autópsia do Tiago, na altura em que ele morreu. Agora, ainda mais simples é, tu foste desacreditada na época, por causa do teu resultado na autópsia, para além disso, houve a necessidade de fazer nova autópsia pelos médicos da clínica que a família dele frequenta. Precisas de mais?
- Hummm, mas achas que eu me aproximei para tentar saber coisas sobre essa decisão de fazer nova autópsia?
- Claro que não, tu aproximaste-te porque sabes que ele não teve um ataque cardíaco, ele foi assassinado, e estás revoltada porque ninguém investigou este homicídio.
Sim, agora faltaram-me as palavras e os argumentos também. E tenho a certeza que ele percebeu isso. Terei aqui um aliado, ou um suspeito?
- Essa é uma informação com rasteira? Ou devo comentar isso? Estou à deriva.
- Desde o início que percebi que a tua aproximação, devia-se a esse facto. Deixei passar, porque tu és uma colega simpática e interessante, para além de que concordo contigo, pelo menos até um certo ponto. Não sei se te posso ajudar, estou demasiado envolvido naquela família, mas a verdade, é que também não sei assim tantas coisas. Eu sou o namorado da filha, não o marido, e aí está uma diferença abismal, no que toca a informações privilegiadas.
- Acho que agora não vale a pena continuar a farsa, acertaste no ponto. Agora a minha carreira está mais equilibrada, mas naquela época, as coisas não foram fáceis, nada mesmo.
Senti que podia confiar nele, a sua transparência e clareza demonstravam a sua honestidade e carácter. Não valia a pena continuar a mentir.
- Tens razão, está na altura de falar, de tentar explicar o porquê de ter travado conversa contigo naquele dia. Mas não quero que isso afecte o relacionamento que temos, agora. Acredites ou não, comecei a gostar de ti. És um bom colega.
- Um bom colega, bem, talvez isso seja exagero. Não sou muito sociável, por opção, este hospital é pequeno demais para que possamos criar amizades, há muitas conversas paralelas, e eu nunca gostei disso. Irritam-me.
- Tens razão, as instituições são como os locais, pelo meio há sempre conversas paralelas, comentários mesquinhos, nem sempre apetece interagir com esse determinado tipo de pessoas.
Por destino ou não, a verdade é que surgiu ali um entendimento maior do que estávamos à espera, penso que surgiu logo no início. A química não se explica, sente-se e aproveita-se.
E quando a nossa conversa iria finalmente se desenrolar, aparece do nada uma enfermeira toda apressada a chamar pelo Dr. Ronaldo Figueiredo, é claro que ficamos por ali, mas inevitavelmente voltaríamos a conversar.

© Alexandra Carvalho






















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