terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Duas almas




Quisera eu a indiferença
Da tua presença,
Aquele aproximar que nada diz.
Temo que ainda diga.
Muito mais do que permiti conscientemente.
Mas de onde tirei a ideia
Que é possível permitir
Seja lá o que for,
No campo dos sentimentos?!
A cada acaso ou partida do Universo,
Que me faz confrontar
Com o teu rosto, com o teu sorriso,
Com o teu olhar,
Compreendo um pouco mais
A minha história e as emoções
Que tenho de aprender a moderar.
Há um passado que me persegue,
Silencioso, quase esqueço que o tenho.
Mas tenho!
É esse passado que tu relembras.
E é esse passado que tenho de olhar de frente,
Sem medo algum.
Lá atrás era eu,
Agora também.
Eu sou o passado,
E sou este presente.
Os dois eus formam
Um eu que se completa a cada confronto interno.
Não serás indiferente, jamais,
Percebo agora
Que quando alguém quebra
A barreira da indiferença,
Ela nunca mais volta a existir.
Duas almas encontram-se
Sempre por alguma razão.
Duas almas, em que a história
Pode permitir ser partilhada, ou não.
Nunca um encontro de almas
Será em vão.
Incomodas-me agora
Um pouco menos do que ontem,
Amanhã incomodarás menos ainda
E quando os dias se tornarem leves,
Perceberei que a tua alma foi embora,
E a minha, deixou-a ir.

© Alexandra Carvalho

sábado, 19 de janeiro de 2019

A avó Piedade




Nunca pensei muito na minha avó Piedade, desde o momento que ela partiu deste plano terreno. Lembro que na época sofri. Não poderia ser diferente, claro.
Vivi os anos principais do meu crescimento com ela. Com menos mimo ou com mais, fez parte do meu percurso.
Recentemente, dei comigo a falar dela, e a falar com carinho, das pequenas coisas que fez por mim que afinal eram grandes.
Nunca sonhei com ela, mas a verdade é que as minhas noites devo passá-las nalgum outro plano, porque raramente lembro dos meus sonhos.
No outro dia, dizia eu que não apreciava arroz, o que é verídico, mas essa afirmação remeteu-me para o passado.
Dos dias que vinha do colégio à hora de almoço, e passava por lá, na casa da avó. Ficava a caminho da minha, continua a ficar.
Ela dizia assim, “ah Alexandra a gente não tem nada de especial, se a gente soubesse que vinhas”, mas logo depois, dizia assim, “espera, temos ali um arrozinho do almoço de ontem, a avó vai fritar um ovo e comes com o arroz, queres?”. Eu queria sempre, não pelo prato propriamente, mas porque ali eu estava em casa, como se não tivesse saído de lá.
A minha avó Piedade não foi aquele tipo de avó carinhosa ou afectuosa, tinha lá o seu feitio, mas acho que gostava de mim.
Lembro de ser uma miúda, sempre gostei de ler em voz alta, ela gostava de me ouvir ler, do meu tom, da minha expressividade nas palavras, pedia até que eu lesse para ela. E eu lia.
Acredito que com o seu jeitinho peculiar, era uma forma de me dizer que eu era especial para ela.
Perdia-a quando estava na Universidade, recém-chegada a uma vida nova e diferente. A perda foi sentida, à distância. E quando regressei de férias, não falei muito sobre isso, mas aquele lugar onde ela se sentava, a cadeira onde se sentava fazia-me desviar o olhar. Intimamente tinha saudade.
O tempo passou, seguimos caminho, sabemos que a vida é feita desta forma, de pessoas que estão na nossa vida e depois vão embora. Ficam as memórias, as boas, as menos boas e algumas tristes.
Uma coisa é certa, jamais vou esquecer o arroz com o ovo frito.
Obrigada avó.

© Alexandra Carvalho

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Até 2019



De ano para ano, tentamos não levar bagagem, ou pelo menos tentamos só levar para o ano novo a bagagem que interessa.
Sabemos todos que não funciona assim.
Nós somos a soma das nossas vivências, das pessoas que se relacionaram connosco, dos sentimentos despertados, das emoções vividas.
Nós somos tudo isso. O mais sensato é aceitar, é entender.
Com o aproximar do final do ano, pensamos um bocadinho mais sobre estes assuntos, mas é ao longo do ano que trabalhamos em nós próprios, nas nossas conclusões, nas nossas decisões.
Dizer que esperamos ter um ano novo assim, com isto e aquilo, não é sinónimo de nada, se por dentro ainda somos os mesmos seres humanos. Aquele ser humano que ainda não aprendeu a conhecer-se, e que nem tenciona evoluir.
Porque aquele ano, e todos os outros, vão trazer situações idênticas se nós não rompermos padrões.
E caramba, como tenho aprendido este ano a quebrar padrões.
E que difícil é!
Difícil e gratificante.
A cada padrão compreendido e quebrado a vida trouxe logo algo melhor.
Nem todas as amizades vão sobreviver, mas é mesmo assim. Estamos cá para vivenciar ciclos, e se num ciclo, aquela pessoa fazia sentido na nossa vida, e nós na dela, no próximo, poderá não fazer.
Desapego e amor incondicional.
O que mais aprendi este ano.
Os eventos foram sucedendo gradualmente, nuns momentos foi mais doloroso, noutros nem tanto. Fui caminhando com as lições e fui evoluindo.
A cada passo tento ser a melhor versão de mim. A melhor, naquela circunstância, naquela ocasião.
Aprendi a olhar para as minhas fraquezas, como sendo forças. Ao compreender isso, foi mais fácil criar mecanismos para ser uma pessoa melhor.
Não traço metas para o próximo ano. A vida sabe o que é melhor para mim.
Vou confiar.

© Alexandra Carvalho