sábado, 19 de janeiro de 2019

A avó Piedade




Nunca pensei muito na minha avó Piedade, desde o momento que ela partiu deste plano terreno. Lembro que na época sofri. Não poderia ser diferente, claro.
Vivi os anos principais do meu crescimento com ela. Com menos mimo ou com mais, fez parte do meu percurso.
Recentemente, dei comigo a falar dela, e a falar com carinho, das pequenas coisas que fez por mim que afinal eram grandes.
Nunca sonhei com ela, mas a verdade é que as minhas noites devo passá-las nalgum outro plano, porque raramente lembro dos meus sonhos.
No outro dia, dizia eu que não apreciava arroz, o que é verídico, mas essa afirmação remeteu-me para o passado.
Dos dias que vinha do colégio à hora de almoço, e passava por lá, na casa da avó. Ficava a caminho da minha, continua a ficar.
Ela dizia assim, “ah Alexandra a gente não tem nada de especial, se a gente soubesse que vinhas”, mas logo depois, dizia assim, “espera, temos ali um arrozinho do almoço de ontem, a avó vai fritar um ovo e comes com o arroz, queres?”. Eu queria sempre, não pelo prato propriamente, mas porque ali eu estava em casa, como se não tivesse saído de lá.
A minha avó Piedade não foi aquele tipo de avó carinhosa ou afectuosa, tinha lá o seu feitio, mas acho que gostava de mim.
Lembro de ser uma miúda, sempre gostei de ler em voz alta, ela gostava de me ouvir ler, do meu tom, da minha expressividade nas palavras, pedia até que eu lesse para ela. E eu lia.
Acredito que com o seu jeitinho peculiar, era uma forma de me dizer que eu era especial para ela.
Perdia-a quando estava na Universidade, recém-chegada a uma vida nova e diferente. A perda foi sentida, à distância. E quando regressei de férias, não falei muito sobre isso, mas aquele lugar onde ela se sentava, a cadeira onde se sentava fazia-me desviar o olhar. Intimamente tinha saudade.
O tempo passou, seguimos caminho, sabemos que a vida é feita desta forma, de pessoas que estão na nossa vida e depois vão embora. Ficam as memórias, as boas, as menos boas e algumas tristes.
Uma coisa é certa, jamais vou esquecer o arroz com o ovo frito.
Obrigada avó.

© Alexandra Carvalho

2 comentários:

  1. Ficamos com um vazio dos que amamos e partem...
    Alexandra, uma boa semana.
    Beijo.

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