Esta é a história sobre a jovem
Alexandrina, a doce menina que São Vicente viu nascer.
Poderia ser a história de
qualquer menina daquela época, já que em 1918, o futuro das mulheres era
semelhante entre elas. Mas, não recordaremos mais nenhum passado, além do de
Alexandrina.
Agora, olhando ao nosso redor e a
todo este desenvolvimento que o Norte presenciou e viveu, torna-se difícil,
visualizar uma época mais remota, em que as classes sociais eram demasiadamente
vincadas e reconhecíveis.
Os pobres e os ricos. Os que
trabalhavam as terras e os que eram os seus donos. Não existia, aquela classe
média, que nos habituamos a ver nos nossos dias, e que por infortúnio, estamos
a ver desaparecer aos poucos, de um Portugal que se diz desenvolvido.
Ah, antes que se percam nos
factos, estamos no ano de 2012.
Não, não se trata de todo, de
mais uma história sobre uma qualquer menina pobre que se diferencia e dá azo, a
um certo tipo de romance associado à pobreza.
Alexandrina não era pobre,
pertencia a uma família tradicional rica, da cidade do Funchal.
Como a maioria das famílias
afortunadas e abastadas, esta família possuía vários terrenos no Norte da Ilha
da Madeira. Terrenos cultivados por gentes de confiança da terra.
Porém, até aqui, nada de novo.
Mas Alexandrina, trazia consigo
muito mais do que sangue nobre.
E a partir daqui, começa a
verdadeira história.
Em 1918, ainda eram comuns os
casamentos arranjados pelos pais, e esta tradição manteve-se por várias décadas
posteriores.
Amor, não era uma palavra muito
utilizada na época, os poetas eram os únicos que amavam desmesuradamente,
talvez por nascerem dotados de uma profundidade e sensibilidade atípicas, aos
restantes mortais. A verdade, é que a maioria pouco sabia sobre o amor.
E se na cidade esta tradição de
casamento contratual ainda era vigente, nas aldeias era muito pior.
Um bom ou mau casamento
significava, prosperidade ou ruína.
Previsivelmente, todos os pais
almejavam um bom casamento, ou melhor, um bom contrato financeiro.
Alexandrina, não era uma
excepção, já nascera com um casamento arranjado, com um filho de outra família
nobre, uma família nortenha nobre, e é neste casamento que reside todo o drama
da história de Alexandrina.
O secretismo das relações extra
conjugais era extremo, ainda que muitas esposas tivessem conhecimento das
traições, muitas vezes, no seu próprio lar com as empregadas.
Não era novidade, mas mantinha-se
em segredo, como se amenizasse a humilhação das esposas.
Alexandrina não tinha apenas
sangue nobre a correr nas suas veias, era filha de um Senhor com uma empregada,
diga-se desde já, que ele nem fazia ideia desse feito.
Os pobres não tinham uma vida
fácil, e o medo de perder o trabalho era imenso, a fome assustava, bem, assusta
qualquer ser humano, em qualquer tempo.
Como é de prever, não existia à
época, um sistema de adopção como o que existe agora.
A solução daquela empregada só
podia ser uma, esconder a gravidez e dar aquela criança. O que não era assim tão
difícil, muitos casais da nobreza eram vítimas da desfortuna de não poder ter
filhos.
Alexandrina, encontrou facilmente
uma família e um lar, que a acolheu condignamente. Como legítima herdeira.
Não se esqueçam, Alexandrina
tinha como pai biológico, um Senhor da Nobreza, antes fosse, uma simples
plebeia.
A mãe morrera cedo, apanhou
tuberculose. A única pessoa que sabia a verdade.
Alexandrina estava prometida a um
belo jovem nortenho. E tal, não era sacrifício, pois o que Eduardo tinha de
beleza também tinha de carisma e bom carácter. O amor nasceu bem cedo entre
eles, entre todos os olhares trocados.
Mas o sangue era o mesmo,
Alexandrina era meia-irmã de Eduardo. E essa verdade, ninguém a conhecia.
A moral da nossa sociedade diz,
desde sempre, que irmãos não podem ter nada um com o outro, mas estes dois
irmãos não se conheciam dessa forma. Seria pecado na mesma? Ah, tomara o mal
fosse apenas o pecado, infelizmente não era o pior dos males.
Estes dois desconhecidos irmãos
casaram e não tardou que tivessem filhos, um atrás do outro, nasceram com
deficiências, físicas, mentais. E a infelicidade e desventura, apoderaram-se
daquele jovem casal, por muitos invejado, pela beleza e amor visíveis.
A pergunta que restava, que pecados
teriam eles cometido, para ter uma sina tão triste?
Afinal, o pecado não era deles, o
pecado da traição existira no passado, o secretismo, o puritanismo acabara por
destruir as gerações vindouras.
Não será novidade, se contar que
Alexandrina com o passar dos anos, e das tentativas falhadas de ter um filho
sem deficiências, embora amasse a todos, acabou por enlouquecer.
O casamento que jamais deveria
ter acontecido, acabara na mesma, a vida encarregou-se disso.
O sangue que o casal partilhava,
havia causado toda aquela desgraça.
Alexandrina enlouqueceu, Eduardo casou novamente.
E a verdade jamais se soube.
Esta foi a história trágica de
Alexandrina.
© Alexandra Carvalho