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Continuavas ali sentado, quase como um objecto inerte. Prostrado em
frente a uma janela sem paisagem, procurando na tua memória resquícios da vida
que tinhas deixado para trás. Aquela vida que havias saboreado tão intensamente.
Estavas só.
Os anos haviam passado, mas jamais pensaste que a jovialidade, o
sorriso aberto, iriam desaparecer juntamente com o tempo.
As memórias confundiam-se, umas com as outras, não tinhas mais a
certeza se eram verdadeiras ou não.
Sentias o medo fervilhar dentro de ti, nos teus ossos gastos, no teu
coração agora fraco, na tua cabeça confusa e cansada.
Não era medo da partida, do adeus à vida. Tinhas medo da solidão no
momento do adeus, tinhas medo de descobrir que as tuas memórias eram irreais.
Afinal, estavas só. Para onde tinham ido todos? Em que momento te
tinhas perdido deles?
Sentias, intimamente, que nem sempre tinhas estado só.
Os anos não haviam roubado apenas o teu sorriso ou a tal jovialidade
que achavas ter para sempre. Os anos tinham-te roubado muito mais que isso,
ficaste sem carinho, ficaste sem atenção, ficaste sem amor.
A tua pele franzida, o respirar ofegante e cansado, os cabelos
brancos, o rosto marcado por uma existência longa e intensa, haviam afugentado
todos aqueles que antes pareciam gostar de ti.
Estavas velho e estavas só.
Continuaste ali sentado, olhando para lugar nenhum, à espera do
simples momento em que mais nenhuma recordação iria se confundir com outra.
Aguardavas apenas o momento da libertação e apesar da solidão, no teu
coração ainda fervoroso, conseguias sorrir relembrando os rostos de quem um dia
havia passado por ti. E bastava isso.
A libertação acabaria por chegar.
© Alexandra Carvalho