domingo, 14 de agosto de 2011

Oscilações e Desencontros (Parte 5)

- Ficaste calada e estranha! Disse algo que não tivesses gostado? Mas não deixa de ser verdade Rafaela, tu quiseste voltar para casa de forma muito impetuosa, sem razão, eu não percebi, estavas ali alheia, estavas a olhar não sei para onde, para o nada talvez…
Para o nada, mais um factor a acrescentar na minha dúvida que eu tinha quase como certa. Afonso não era real, ou era mas não da forma como eu queria que fosse. Como era possível eu estar a ver alguém que não existia aos olhos dos outros, estava a ficar louca? Ou a minha desconfiança estava certa e Afonso já não estava vivo e andava aqui por baixo sem saber bem o que fazer, sem saber que a vida já tinha terminado a sua meta. Mas porquê eu? Se nunca tal me tinha acontecido, ou já e eu nunca me apercebi, quantas pessoas estranhas passam por nós todos os dias, principalmente nas cidades, quem nos garante que são todas reais, vivas?
- Estou cansada e aconteceu uma coisa que eu não te sei explicar, ou melhor, não quero explicar. Amanhã falaremos melhor sobre isto, até porque vou ter de falar, mais cedo ou mais tarde.
Alaíde já tinha percebido que o problema era grave. Amanhã era outro dia, precisava da noite para recuperar de mais uma perda, Afonso jamais poderia ser meu, jamais eu poderia continuar a me envolver, que confusão a vida estava agora a dar-me, com que intuito?!
As poucas horas em que estive deitada, tornaram-se longas, eternas, pareciam nunca mais passar e eu queria ver a luz do dia, precisava de clareza na minha mente e no meu espírito, ao mesmo tempo queria adormecer e acordar com uma realidade bem mais simples e apelativa, menos assustadora, pelo menos.
Como é habitual a Alaíde levantou-se cedo, coisa que já acontecia quando ainda vivia cá, o oposto de mim que não nego uma bela noite de sono até ao meio dia. Senti barulho na cozinha, deve pensar que ainda estou a dormir, não virá ao meu quarto, o que me agrada porque ainda estou a tentar encontrar as palavras certas, uma forma de dizer que não pareça tão surreal.
Enganei-me redondamente, do nada abriu-me a porta.
- Não vale a pena fingires que estás a dormir porque sei que não, estavas muito alterada ontem e quando estás assim não consegues dormir, ficas às voltas na cama tentando encontrar respostas para o que te está a acontecer.
- Se te disser que estou a ficar louca? Acho que é a forma mais simples de abordar a questão e depois digo-te porque acho que estou a enlouquecer.
- Uma Assistente Social a ficar louca, não seria de todo anormal, se trabalhasses com psiquiatria, ou com deficiências, visto que é muito difícil de conviver diariamente, mas no teu caso, que trabalhas com idosos, desculpa, não acredito muito nisso, prefiro a verdade.
- Aqui vai a verdade então, ontem disseste-me que não me viste a falar com ninguém, não é? Pois bem, o tal Afonso estava lá, e até me dirigiu algumas palavras, poucas, mas a questão é que falou comigo, e não sei porquê fiquei incomodada com a presença dele, quis vir embora por isso, depois ao chegarmos comentaste que não me tinhas visto a falar com ninguém e eu fiquei em choque, porque no fundo, eu já sentia que se passava alguma coisa, Afonso não está aqui como nós estamos, então a resposta para esta situação caricata vai ao encontro a duas vertentes apenas, a primeira, que eu possa estar a enlouquecer devido à solidão, sei lá, e criei esta personagem ou então a segunda…
- … ele já não vive, é uma alma que por aí anda, desencontrado da luz.
- Sim, agora se é a segunda vertente, eu não sei como lidar com isto, porque é que ele me está a aparecer tantas vezes, porque é que fala comigo? Ou melhor, porque é que eu consigo vê-lo e ninguém mais vê, agora sou médium e não me avisaram com antecedência?!
- As coisas não funcionam assim, não acredito que de repente tenhas ficado esquizofrénica e começaste a ver pessoas que só na tua mente existem, eu conheço-te há tempo suficiente para saber que isso não é verdade, por mais sozinha que possas estar, tu acabas por ter uma vida social até muito activa, és directora técnica do Lar de Idosos, comunicas com imensa gente do meio, tens funcionários à tua responsabilidade, não ias do nada ficar com uma doença mental assim tão grave e descontrolada. Até porque tu pões isso em causa, tu admites que existe qualquer coisa anormal nessa história e segundo sei um esquizofrénico jamais admitiria.
Ela tinha razão, mas até que ponto que eu, com a formação que tenho não teria facilidade em controlar as minhas palavras e não induzir os outros em erro? Porém, a verdade não passava pela doença mental, e eu sabia disso só não queria aceitar. Fugi a maior parte da minha vida desse lado oculto e transcendente das coisas, do mundo, e agora, sem mais nem menos esse lado tinha vindo ter comigo de forma completamente espontânea e eu deixei que me abordasse.
- Rafaela, acho que deves manter a calma, nós acreditamos que a vida continua depois da partida terrena, talvez tens um dom escondido que agora se manifestou para ser explorado. Faz o que tens a fazer, fala com ele, tenta perceber o que se passa, se ele sequer tem noção da sua situação.
Que eu precisava confrontá-lo, eu sabia, não me assustava vê-lo, não tinha nada a ver com aquela ideia que nos incutem desde cedo dos fantasmas, ele parecia tão vivo quanto eu. É verdade, estou com vontade de o encontrar de novo, embora agora não possa sentir o mesmo, a minha abordagem será outra, e disso tenho algum medo. Quando pensei ter encontrado alguém especial, esse alguém não poderá satisfazer os meus sentimentos e caprichos de ser humano vivo.

© Alexandra Carvalho

1 comentário:

  1. Tem razão... Há sempre outro alguém que traz esse brilho de volta.... e ás vezes está mais perto do que nós pensamos...

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