domingo, 14 de agosto de 2011

Oscilações e Desencontros (Parte 4)

Tudo o que eu precisava agora, ironias da minha irmã sobre a minha permanência na terrinha onde crescemos. Eu não queria ficar aqui, ela sabe bem disso, mas nem sempre o que queremos é o que podemos ter.
Quando reflectia sobre o curso superior que queria tirar, Serviço Social ainda era uma área profissional com saída na ilha da Madeira, claro que nessa altura, eu era uma miúda e quando acabei a licenciatura nem é preciso dizer que já tudo era diferente.
Se ficamos muito tempo parados, sem conseguir nada na nossa área de formação, quando finalmente aparece uma oportunidade agarramos de imediato, não interessa onde. Foi o que me aconteceu, e por ironia do destino a possibilidade surgiu precisamente na Ponta Delgada, uma terra que eu tantas vezes critiquei pela falta de desenvolvimento.
- Estás a exagerar, eu vivo cá mas também saio de vez em quando… admito, a minha vida não está muito interessante, parece que tudo o que eu aproveitei na universidade foi o meu expoente máximo de diversão e felicidade, aqui é tudo tão monótono, tu sabes.
Precisava imenso de sair, o simples facto de ver caras diferentes, dançar, era algo supremo. Estava tão condicionada à solidão que esses pequenos comportamentos de vida tinham-se tornado alheios à minha existência.
- Eu sei que sim, os meios pequenos limitam-nos muito e tu andas muito solitária, acabas por viver apenas para o trabalho, estás a esquecer da verdadeira Rafaela, aquela que adora sorrir, dançar e estar com os amigos. Vamos telefonar a alguém do Funchal e planeamos a noite, ou então, em memória dos velhos tempos saímos nós as duas apenas, sempre encontramos alguém conhecido…
É claro que uma saída à noite começa sempre na poncha, a nossa bebida típica e que toda a gente gosta, não tinha esquecido o sabor mas já há muito tempo que não frequentava bares e muito menos bebia poncha. Soube bem sair da rotina, ver gente desconhecida que nem olhavam nem deixavam de olhar para mim.
Mais uma vez o destino decidiu juntar-nos, Afonso estava lá, encostado a um recanto de uma parede, parecia sério.
- Agora já não nos esbarramos apenas na Ponta Delgada, pelos vistos pelo Funchal também – veio na minha direcção e disse-me aquelas palavras com um sorriso entusiasta, e eu estremeci apenas com isso, estava a apaixonar-me.
Tornou-se estranho estar no mesmo espaço que ele, a sua presença incomodava-me, o seu olhar oscilava entre o meu olhar e o das restantes pessoas que nos rodeavam. Alaíde manteve-se indiferente, não criticou mas também não apoiou aqueles olhares furtivos que estavam a acontecer entre nós. Apeteceu-me fugir dali. Os nossos planos nocturnos rapidamente mudaram e voltamos para casa.
Eu tinha a plena noção que estava a envolver-me demais, e deixar-me intimidar por alguém é sempre um processo complicado, que pode provocar danos, e eu já tinha tantos danos provocados de histórias passadas, mais um seria burrice. Por sorte, a minha irmã quis levar o carro, estava sem cabeça para isso, um turbilhão de sensações passava pela minha cabeça, senti o meu coração bater tão forte como se fosse saltar de dentro do meu corpo.
Por mais estranho que possa parecer, ela não falou, o caminho todo de retorno a casa, tornámo-nos mudas, para mim era normal, para ela não. Alaíde tem sempre algo a dizer, quanto mais não seja para ironizar, para desmistificar a importância das atitudes e das situações vividas, nela era normal não existir silêncio, porquê que continuava calada? Como se a presença de Afonso e a nossa troca de palavras não tivesse existido aos seus olhos.
- Rafaela, jamais no passado, terias voltado tão cedo para casa, sem motivo aparente, pelo menos para mim.
- No passado eu tinha uma idade diferente, mais jovem, menos preocupada, não sentia o peso das emoções como sinto agora, tornou-se complicado, difícil até, contornar tudo isso.
- Emoções?! Mas que emoções, o pouco tempo que lá estivemos eu não te vi falar com ninguém…
Nesse preciso momento, tudo fez sentido, eu não queria acreditar, mas isso justificaria o porquê de nunca o ter encontrado, o porquê de o achar mais velho e a sua aparência não mostrar isso…
Se antes tinha tomado decisões erradas, paixões instáveis que nada me trouxeram de bom, agora era a pior das decisões, a paixão mais instável que poderia acontecer. Afonso era de cá e ao mesmo tempo não, a sua imagem esfumava-se a cada momento, e surgia sempre que lhe apetecia, e surgia agora na minha vida. Eu precisava saber se era verdade, e ele iria responder, querendo ou não. Fiquei pálida, sem forças, o céu acabara de desabar e o chão simplesmente fugira dos meus pés. Pela primeira vez eu estava a vivenciar algo inédito e totalmente surreal.

© Alexandra Carvalho















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