Pela primeira vez passei por lá, e por desejo do destino ou não, ele estava lá, sentado, olhava interminavelmente o mar, numa solidão escondida, talvez dele próprio.
Aquela rua estreita que vai dar ao miradouro assustava-me um pouco, principalmente à noite, mesmo sendo uma freguesia pouco atribulada e movimentada, a escuridão perturbava aquele trajecto. Mas tinha passado o dia todo com uma vontade enorme de me encontrar com o mar, falar com ele, chorar todas as lágrimas que havia mantido nestes últimos tempos. Cheguei ao final do dia e não consegui controlar o desejo e fui, saí de casa disparada, e apenas levei comigo a chave. Era tudo tão perto.
Poderia ter olhado pela minha janela, o mar estava ali mesmo, mas sabia que naquele miradouro a sensação seria diferente, como se a ligação fosse mais profunda. Não sei explicar o porquê de nunca lá ter ido, vivo há tantos anos aqui, é estranho dizer a alguém que nunca lá fui. Penso que estava à espera do momento certo, e este era, sem dúvida, o momento certo.
Percorri a rua com passos calmos, pequenos, apetecia-me reflectir, talvez porque estava prestes a me despedir de recordações que me magoavam muito ainda, era hora de deitar fora o passado, e nenhuma outra companhia seria melhor do que o mar, aquela imensidão que poderia guardar todas as recordações do mundo, as boas e as más.
Pensei que não iria estar lá ninguém, àquela hora as pessoas deveriam estar em casa, a jantar, rodeadas dos familiares, dos amigos, das pessoas de que gostam, sim, porque não haviam muitas pessoas a viver sozinhas ali, a Ponta Delgada era propícia a casamentos.
Estava redondamente enganada, ele estava ali, a olhar para o mar da mesma forma que me apetecia olhar, parecia estar a despedir-se, naquele momento jamais imaginei de quem ou de quê.
Não queria interromper a sua conversa com as ondas que estavam cada vez mais fortes e mais altas. Mas não consegui deixar de olhar, havia raiva, havia solidão e medo naquele rosto, naquele olhar. Eu que achava ser a pessoa mais solitária e mais triste daquela terra, talvez não fosse, mas a desilusão tende a fazer com que dramatizemos mais as coisas, os sentimentos, as experiências e a própria vida.
Apesar do meu estado emocional naquela época, era impossível que este homem me passasse ao lado, tudo nele me fascinou. Tinha cabelos encaracolados, escuros, uma pele morena que atraía, não era muito alto, nem muito magro, mas isso talvez ainda me atraísse mais, nunca achei muita piada a homens demasiado esbeltos. Um perfeito estranho me cativara ao primeiro contacto num lugar que nunca tinha ido e à beira do meu mar. Isto significaria o quê?
O mar continuava agitado e o céu começava a ficar escuro, as nuvens carregadas, estava prestes a chover e eu ainda não tinha conseguido fazer o que queria, despedir-me do meu passado repleto de desilusões e perdas indesejadas. Foi nesse momento que ele falou, uma voz suave, doce e discreta, disse-me boa noite, esboçou um pequeno sorriso, e comentou que aquele miradouro era o seu refúgio mas parecia que o estado do tempo estava contra ele, teria que ir embora. Achei piada, sorri também, concordei acerca do tempo.
Finalmente estava sozinha, naquele miradouro pouco iluminado.
Uma retrospectiva de acontecimentos passou pela minha cabeça, foi tudo muito rápido, já caía a chuva ao de leve, e sem quase me dar de conta, senti-me mais livre, aquele peso da dor estava a ficar mais leve, e tudo isso, não porque fui falar com o mar e atirar fora as memórias, não, o encontro com aquele homem estranho acabara de mudar tudo.
© Alexandra Carvalho
Interessante...faz-me ver que apesar de estarmos perto uns dos outros, de vivermos uns com os outros, vivemos isolados...funcionamos muitas vezes como autênticos fantasmas uns para os outros.
ResponderEliminarGostei do teu amigo "etérico" :)