E todos os dias fazia o mesmo, o ritual de acordar e olhar o
mar. O sol estava a nascer ou pelo menos, começava a chegar ali naquele
momento. Os raios prolongavam-se no mar calmo, bem ali, à minha frente.
Ficava de pé, ainda de pijama, no balcão da casa da minha
avó, deslumbrava-me com aquela luz que me fazia bem. Não sei se já haviam
pessoas a passar na rua, não me recordo, isso pouco interessava.
Hoje, confunde-me a falta de gente na minha terra, mas quando
somos crianças valorizamos outras coisas.
O verão passava-se assim, as manhãs na piscina, algumas
tardes também, ou então por aí, a brincar. A descobrir uma localidade que
parecia tão grande, mas que afinal, é tão pequena.
Quando relembro essa época, apercebo-me da grande vantagem de
ter crescido no campo, a liberdade. Os carros eram poucos e não circulavam o
dia inteiro. Brincávamos na rua e caso um carro se aproximasse, só precisávamos
nos afastar, iria tardar a aparecer outro.
Hoje, curiosamente, vejo mais carros acima e abaixo, do que
propriamente gente.
Noutra casa e noutra varanda, ainda me debruço a olhar o mar
mas os pensamentos que vagueiam não são os mesmos do passado.
Quando recuo no tempo, é saboroso pensar nas experiências e
nas amizades. Nas que se mantiveram, poucas, e nas que deixaram de existir com
o decorrer dos anos.
Não há ressentimento, os seres humanos passam a vida a
perder-se e encontrar-se. Nós mudamos a todo o instante e quem nos
identificávamos antes, de repente, deixam de fazer sentido na nossa vida, e
vice-versa, é assim.
No entanto, a infância e adolescência foram passagens
fulcrais, que de certa forma, influenciaram todo o meu percurso posterior.
Lá de vez em quando, escrevo um bocadinho sobre quem fui e
quem sou, mas desta vez, as palavras pediram-me que falasse sobre a minha
terra, as gentes, o passado, a vida que foi e que é agora.
Os quase 30 anos, já me permitem olhar para trás, relembrar
e compreender a sociedade onde cresci. A cultura vincada e uma mentalidade que
cada vez mais se liberta do sentimento de interioridade.
A cidade aproximou-se de nós e sem provocar muito alarido,
foi moldando personalidades e comportamentos.
Sim, existem conversas paralelas, há quem continue a dar azo
a conflitos desnecessários, há quem nutra pelo vizinho do lado aquela inveja
tão típica dos tempos idos.
Ainda existe tudo isso, ou não seríamos nós, uma freguesia
maioritariamente envelhecida.
Mas, a par disso, há todo um individualismo crescente, uma
desatenção em relação aos outros.
A realidade, a Ponta Delgada tornou-se uma terra abraçada à
solidão.
As ruas estão desertas, e a culpa não é apenas da emigração,
vivemos apenas para nós, cada um na sua casa e esquecemos que existe gente à
nossa volta.
A aproximação à cidade trouxe uma panóplia de vantagens, mas
ao mesmo tempo, mudou a nossa identidade como terra. Nem somos uma coisa, nem
somos outra.
Pergunto-me, que identidade pretendemos construir?
© Alexandra Carvalho
Belo este texto!
ResponderEliminarSim, a Ponta Delgada está se tornando uma aldeia fantasma, à semelhança de muitas pelo país fora.
Beijinhos