Por ora, era apenas a lágrima que caía. Miraculosamente.
Espontaneamente.
Henrique preparava-se para deixar o passado lá trás, mas
aquela lágrima, ele não queria deitar.
Como se a vida se tornasse diferente ou como se ele se
tornasse outro ser que não é, só porque não deixava cair aquela lágrima. Que de
resto, era genuína.
Nós vamos nos moldando com o tempo, com as vivências, com as
relações humanas que vamos experienciando, mas em nenhum momento deixamos de
ser nós próprios.
Porém, Henrique mascarava essa verdade, preferia ser outro,
ter uma personalidade que lhe impedisse de voltar a se magoar.
Que equivocado estava ele!
O ser humano precisa viver todos os estados, incluindo a desilusão.
É assim que ele evolui, que se transforma e encontra a paz.
Somos tentados a cada tropeção que a vida nos dá, em dizer
mal de tudo. Da justiça humana, da justiça divina.
É provável que todos os tropeções nos tenham feito aprender
algo, tenham contribuído para uma serenidade maior, mais real.
Henrique sabia disso, mas nem sempre o que nós sabemos ser
verdade é o que nós aceitamos como certo.
No entretanto, a vida volta a nos sacudir e cometemos os
mesmos erros, deixamos espaço para que eles se repetissem.
O equívoco de Henrique era precisamente esse, trapacear a
realidade. E a realidade é generosa, ela volta, ela chama-nos até que
consigamos a aceitar, e aí sim, os mesmos erros já não se cometem, cometem-se
outros. De tão imperfeitos que somos, os seres humanos.
Seria a vida bem mais simples e fácil se aceitássemos a
nossa imperfeição. Talvez, olhássemos uns para os outros como iguais.
Fala-se tanto na igualdade, luta-se pela igualdade, que
igualdade é essa? O meu conceito é diferente dos outros, até nisso não somos
iguais.
Nestas questões sociais, emocionais, existenciais, perdia-se
Henrique, não conseguia encontrar fundamento para certos comportamentos, para
certas realidades.
A desilusão ainda lhe fervilhava no peito, mas diminuía quando
olhava em volta.
O mundo era muito mais do que simples desilusões.
© Alexandra Carvalho